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Flávia Costa

A tenda

Barcelos – Porto (Pt), 2017-18

O projeto que aqui apresento corresponde a um estudo sobre as tendas e os procedimentos de montagem, que ocorrem semanalmente para a realização da feira na cidade de Barcelos (Portugal). No acompanhamento desse processo transformativo do espaço urbano, mas também das próprias estruturas arquitetónicas falámos com feirantes, observamos a forma como se organizam, os protocolos de montagem que realizam assim como os gestos que fazem.

Todos esses dados apreendidos da experiência do espaço foram interpretados tanto como matéria como processos de desenho dando origem ao hiperdesenho A tenda quer-se com quem a entenda… Um desenho de natureza situacional, onde se exploraram os limites da disciplina num processo constante de estímulo resposta entre o desenho e a inconstância destas formas de modo a construir uma visibilidade sobre o que é temporário.

Detalhe da peça A da tenda quer-se com quem a entenda, instalada , museu da FBAUP, Porto, 2018
Detalhe da peça A do hiperdesenho A tenda quer-se com quem a entenda…, Flávia Costa, 2018.

As tendas da feira de Barcelos

Barcelos é a cidade concelho da aldeia onde nasci, cresci e vivi até iniciar o percurso no ensino superior no Porto. Sei como se organiza e o que encontrar em cada rua, sei também qual a melhor esplanada e a melhor vista para o rio. Identifico-lhe os cheiros, os sons, as cores e as sombras em cada hora. Esta é a minha cidade, a que conheço de olhos fechados. E dela tenho as memórias mais bonitas.

Vivendo na aldeia o ritual de ir à cidade era um acontecimento com muita importância reservado a certos dias. Ia-se à cidade ao final da tarde de domingo brincar nos baloiços e comer um gelado, ia-se ao sábado de manhã quando precisávamos de fazer alguma coisa importante. E depois ia-se à quinta-feira.

Este é um dia emblemático para os barcelenses. É o dia da feira.

Resistindo, ainda hoje, à construção de grandes superfícies comerciais (centros comerciais) o comércio em Barcelos, como em muitas cidades e vilas minhotas, acontece nas lojas de ruas e na feira. É lá onde se encontra “tudo do quanto há” e “para todas as carteiras”. Desde roupa a calçado, passando pelos atoalhados, tapeçaria, mobília, cestaria, artesanato até às frutas, legumes e flores. Ir à feira é também uma acto social, um lugar de encontros e reencontros agendados anualmente pela tradição “do ir feirar”.

Em criança as idas à feira eram especiais. Aconteciam poucas vezes ao ano e eram acompanhadas ora pela minha mãe ora pela minha avó ou por ambas. São muitas as recordações desses dias, em especial, do deslumbramento que o mar de toldos a esvoaçar ao vento me provocava à medida que nos aproximávamos do recinto.

Continuo a gostar de ir à feira. E continua a encantar-me a dança dos toldos, os jogos de luz e sombra, as emendas dos panejamentos, as centenas de linhas de corda que se cruzam por cima da nossa cabeça assim como toda a capacidade inventiva dos feirantes quer pelas adaptações que fazem quer pelos protocolos que adoptam na hora de erguer ou desmontar as tendas.

Flávia Costa, As tendas, da feira de Barcelos, Barcelos (PT), 2017-18.
Flávia Costa, Série fotográfica As tendas da feira de Barcelos, Barcelos (Pt), 2017-18.
Flávia Costa, As tendas, da feira de Barcelos, Barcelos (PT), 2017-18.
Flávia Costa, Série fotográfica As tendas da feira de Barcelos, Barcelos (Pt), 2017-18.
Flávia Costa, As tendas da feira de Barcelos, Barcelos (PT), 2017-18.
Flávia Costa, Série fotográfica As tendas da feira de Barcelos, Barcelos (Pt), 2017-18.


É no final da tarde de quarta-feira, que os preparativos para a feira começam e o recinto do campo da República “campo da feira” lentamente vai-se alterando deixando de ser o que era (parque de estacionamento) para se tornar noutra coisa. Discretamente com o avançar da hora começam-se a juntar carrinhas, ouvem-se marteladas aqui e acolá e à medida que escurece o zumbido das conversas intensifica-se. Ouve-se falar acerca das notícias mais recentes, do futebol, da política local de conhecidos, das previsões do tempo para o dia seguinte… E entre um e outro tema ouvem-se coisas do género: “Ao terceiro, quinto e sexto depois do Manel “ou “Estico ao Pérola e ao hospital”.

Como códigos estas expressões norteiam os movimentos de cada feirante. Elas informam acerca de onde cada um vai atar as cordas, para que lado vai esticar primeiro os toldos e a ordem com que o fazem. Dizia-me um dos feirantes, que há rituais que se devem respeitar e fazer religiosamente. Tais como respeitar a área espacial que cada um pode ocupar e os corredores que têm de formar. A mesma é seguida no processo de montagem das tendas respeitando a ordem na qual se devem montar as diferentes componentes das estrutura, onde e como se amarram as cordas para não ir tudo pelo ar com a “primeira rabanada de vento”, a altura a que se erguem os toldos… Soltando no final da explicação em jeito de síntese o comentário: “sabe menina, a tenda quer-se com quem a entenda…”

Flávia Costa, As tendas, da feira de Barcelos, Barcelos (PT), 2017-18.
Flávia Costa, Série fotográfica As tendas da feira de Barcelos, Barcelos (Pt), 2017-18.

Um desenho espacial composto por dois elementos (com diferentes dimensões) construídas numa relação isomórfica com a forma que os toldos têm na véspera do dia de feira. As duas peças apresentadas foram construídas a pensar num estado intermédio da sua transformação, e que corresponde ao momento imediatamente antes de atingem a sua maior extensão quando são esticas.

Ainda que previamente ensaiadas, foi somente no local expositivo que foram tomadas as decisões finais acerca da posição e configuração que a peça teria num compromisso que se estabelece também com o espaço expositivo. E que mostra a capacidade de adaptação peça resgatando a natureza das estruturas que dá origem.

Instaladas cada uma das peças no seu espaço o desenho foi concluído com a enfatização e incorporação de três tipos de linhas: a sugerida pelos vincos do papel, a linha desenhada a carvão sobre a parede e a linha física corporalizada pelos fios negros. Contribuindo também esta jogo para a extensão do suporte do desenho, criando a ilusão de continuidade entre os espaços pictóricos.

Esta continuidade corresponde a uma forma particular de territorializar um acontecimento como elemento conector entre a audiência e o espaço pictórico, onde o desenho se prolonga e contextualiza a cena assumindo-se como parte de um diorama (Almeida, 2008). A lógica do diorama formula um dos sentidos possíveis do hiperdesenho– hiper no sentido do que está para além do desenho, do que é espectável que o desenho seja (Sawdon eMarshall, 2012).


Detalhe da peça A da tenda quer-se com quem a entenda, instalada , museu da FBAUP, Porto, 2018
Detalhe da peça A do hiperdesenho A tenda quer-se com quem a entenda…, Flávia Costa. Instalada no Museu da FBAUP, Porto(Pt), 2018.
Detalhe da peça B da tenda quer-se com quem a entenda, instalada , museu da FBAUP, Porto, 2018
Detalhe da peça B do hiperdesenho A tenda quer-se com quem a entenda…, Flávia Costa. Instalada no Museu da FBAUP, Porto(Pt), 2018.

Flávia Costa, A tenda quer-se com quem a entenda, Porto (PT), fevereiro 2018. Proj. A tenda, Barcelos (PT), 2017-18.
A tenda quer-se com quem a entenda…, Flávia Costa. Hiperdesenho instalado no Museu da FBAUP, Porto (Pt). Proj. A tenda, Barcelos – Porto (Pt), 2017-18.

Ficha Técnica

Título: A tenda quer-se com quem a entenda

Técnica: Papel encerado polido com carvão vegetal em pó trabalhado com lixas e esfregões s/ papel cenário; desenho na parede e vedantes industriais.

Dimensões: 250 x 300 cm

Categoria: Hiperdesenho (trabalho de site specificity); Desenho

Espaço de instalação: Museu da Faculdade de Belas Artes da Universi­dade do Porto.

Contexto expositivo: Exposição Coletiva (nacional) Das ligações – espaço doméstico ou realidade domesticada

Data: Porto (Pt), março 2018.

Publicação nacional (artigo) com aferição científica: Costa, F.; Almeida, P. L. (2018). A tenda quer-se com quem a entenda… Processos de visibi­lidade do desenho na representação de espaços pop-up, Psiax, FBAUP, 2018.