Cenários Negros
Porto (Pt), 2019

Sabemos de antemão que arquitetura e cenografia ambas partilham uma mesma raiz histórica, mas que têm funções distintas. Na lógica vitruviana a arquitetura tem como objetivo a criação de estruturas duráveis já a cenografia remete-nos para construções decorativas de entretenimento e criação de ilusão ligadas à efemeridade do teatro. Na sua maioria, construções temporárias erguidas para um acontecimento específico limitadas à sua duração. No entanto, há um cruzamento interdisciplinar onde ambas se misturam numa aproximação à ideia de performance architecture (Brejzek, 2017), na qual a noção tradicional de arquitetura é empurrada para além dos seus parâmetros tradicionais de programa.
É neste enquadramento que Mckinney and Plamer (2007) falam de uma cenografia expandida como um modo de encontro e troca fundado em relações espaciais e materiais entre corpos, objetos e ambientes. (2007, p. 2). Uma ideia que me inspirou a pensar no espaço segundo a teoria não representacional (Thrift 2007), que enfatiza um conjunto ampliado, mas finito de posições relacionadas entre aspetos espaciais, multissensoriais e materiais deste novo campo da cenografia.
Na relação com a ideia de cenografia expandida Lotker e Gough (2013) defendem que a cenografia acontece em qualquer ambiente onde atuamos incluindo a nossa casa, a rua, um restaurante, como tal A cenografia pode ser construída ou pode ser encontrada ou pode ser uma combinação dos dois (2013, p. 3). Mas que o mais importante é que a cenografia para além de determinar o contexto de ações performativas inspiram-nos a agir e a formar diretamente as nossas ações.
We know in advance that architecture and scenography both share the same historical root, but that they have different functions. In Vitruvian logic, architecture aims to create durable structures, while scenography takes us to decorative constructions for entertainment and the creation of illusion linked to the ephemerality of theater. Mostly temporary constructions erected for a specific event limited to their duration. However, there is an interdisciplinary intersection where both are mixed in an approach to the idea of performance architecture (Brejzek, 2017), in which the traditional notion of architecture is pushed beyond its traditional program parameters.
It is within this framework that Mckinney and Plamer (2007) speak of an expanded scenography as a mode of encounter and exchange based on spatial and material relationships between bodies, objects and environments. (2007, p. 2). An idea that inspired me to think about space according to non-representational theory (Thrift 2007), which emphasizes an expanded, but finite set of positions related between spatial, multisensory and material aspects of this new field of scenography.
In relation to the idea of expanded scenography, Lotker and Gough (2013) argue that scenography takes place in any environment where we operate, including our home, the street, a restaurant, as such. Scenography can be built or can be found or can be a combination of the two (2013, p. 3). But the most important thing is that the scenography, in addition to determining the context of performative actions, inspires us to act and directly shape our actions.

Esta é a explicação que me levou a interpretar as composições de andaimes e as construções subjacentes como cenografias ocasionais do espaço urbano olhando-as como arquiteturas performativas, que potenciam uma multiplicidade de narrativas.
E sobre aquilo que experienciei, vi, senti trabalhei em estúdio desenvolvendo a série Cenários negros (Porto 2018-2023), onde explorei grafias e composições perante o fascínio do arquétipo destas construções numa realidade em devir.
This is the explanation that led me to interpret the scaffolding compositions and the underlying constructions as occasional scenography of urban space, looking at them as performative architectures, which enhance a multiplicity of narratives.
And based on what I experienced, saw, felt, I worked in the studio developing the series Cenários negros (Porto 2018-2023), where I explored graphics and compositions in the face of the fascination of the archetype of these constructions in a reality in the future.
Sobre papel poliéster misturei formas, justapus elementos, sobrepus correções, simulei texturas, sujidades, anulei elementos e redesenhei outros. São desenhos sobretudo da exploração de liberdade plástica com o intuito de recriar aspetos táteis do ambiente destas estruturas no ambiente do desenho.
On polyester paper I mixed shapes, juxtaposed elements, superimposed corrections, simulated textures, dirt, canceled elements and redesigned others. These are drawings mainly exploring plastic freedom with the aim of recreating tactile aspects of the environment of these structures in the drawing environment.


Este conjunto de ensaios teve a tarefa de potenciar estados de criação. Isto é, momentos em que a perceção sensível é intensificada proporcionando alterações no psiquismo e no próprio corpo do artista. É uma imersão no caos que precede a criação, como explica José Gil (2016)
Nesse mergulho no fazer estão também envolvidas as escolhas acerca dos materiais e de técnicas com a intenção de reportar sensorialmente o espectador para este tipo de espaços e acontecimentos. E por isso não foi inocente a escolha pelo grafite (lápis, barra e pó) para realizar os desenhos que fazem parte deste projeto. O seu brilho metalizado compadece-se com o das estruturas galvanizadas das composições dos andaimes, o seu pó fino acinzentado faz lembrar o cimento.
This set of tests had the task of enhancing states of creation. That is, moments in which sensitive perception is intensified, causing changes in the artist’s psyche and body itself. It is an immersion in the chaos that precedes creation, as José Gil (2016) explains.
This dive into making also involves choices about materials and techniques with the intention of sensorially informing the viewer of this type of spaces and events. And so the choice of graphite (pencil, bar and powder) to create the drawings that are part of this project was not innocent. Its metallic shine matches that of the galvanized structures of the scaffolding compositions, its fine grayish powder is reminiscent of cement.

De facto, o espaço da representação abre caminhos para o pensamento de quem o fez e o seu processo de desenho num jogo dialético entre as suas visualidades. E através da qual a prática desenvolvida procurou também comunicar estas estruturas.
A experiência que resulta das apreensões e experiências no território são ativadas na prática do desenho pelas sucessivas etapas do fazer como memória incorporada, através das quais se encurta a distância entre a experiência visual e a háptica, entre o corpo e o objeto desenhado. Mais do que nos projetar num espaço ilusório, o sentido háptico estimula um contato sensível e corporalizado com as imagens, a isto podemos chamar de visualidade háptica.
In fact, the space of representation opens up paths for the thought of those who created it and their design process in a dialectical game between their visualities. And through which the practice developed also sought to communicate these structures.
The experience that results from the apprehensions and experiences in the territory are activated in the practice of drawing through the successive stages of making as an incorporated memory, through which the distance between the visual and haptic experience, between the body and the drawn object, is shortened. More than projecting ourselves into an illusory space, the haptic sense stimulates a sensitive and embodied contact with images, which we can call haptic visuality.
