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Flávia Costa

Cenários Negros

Porto (Pt), 2019

Flávia Costa, Cenários negros (5), Porto (PT), 2018.
Flávia Costa, Cenários negros (4), Grafite s/ papel poliéster, 30 x 40 cm, Porto (PT), 2018-23.

Sabemos de antemão que arquitetura e cenografia ambas partilham uma mesma raiz histórica, mas que têm funções distintas. Na lógica vitruviana a arquitetura tem como objetivo a criação de estruturas duráveis já a cenografia remete-nos para construções decorativas de entretenimento e criação de ilusão ligadas à efemeridade do teatro. Na sua maioria, construções temporárias erguidas para um acontecimento específico limitadas à sua duração. No entanto, há um cruzamento interdisciplinar onde ambas se misturam numa aproximação à ideia de performance architecture (Brejzek, 2017), na qual a noção tradicional de arquitetura é empurrada para além dos seus parâmetros tradicionais de programa.

É neste enquadramento que Mckinney and Plamer (2007) falam de uma cenografia expandida como um modo de encontro e troca fundado em relações espaciais e materiais entre corpos, objetos e ambientes. (2007, p. 2). Uma ideia que me inspirou a pensar no espaço segundo a teoria não representacional (Thrift 2007), que enfatiza um conjunto ampliado, mas finito de posições relacionadas entre aspetos espaciais, multissensoriais e materiais deste novo campo da cenografia.

Na relação com a ideia de cenografia expandida Lotker e Gough (2013) defendem que a cenografia acontece em qualquer ambiente onde atuamos incluindo a nossa casa, a rua, um restaurante, como tal A cenografia pode ser construída ou pode ser encontrada ou pode ser uma combinação dos dois (2013, p. 3). Mas que o mais importante é que a cenografia para além de determinar o contexto de ações performativas inspiram-nos a agir e a formar diretamente as nossas ações.

Flávia Costa, Cenários negros (5), Porto (PT), 2018.
Flávia Costa, Cenários negros (1), Grafite s/ papel poliéster, 30 x 40 cm, Porto (PT), 2018-23.

Esta é a explicação que me levou a interpretar as composições de andaimes e as construções subjacentes como cenografias ocasionais do espaço urbano olhando-as como arquiteturas performativas, que potenciam uma multiplicidade de narrativas.

E sobre aquilo que experienciei, vi, senti trabalhei em estúdio desenvolvendo a série Cenários negros (Porto 2018-2023), onde explorei grafias e composições perante o fascínio do arquétipo destas construções numa realidade em devir.

Sobre papel poliéster misturei formas, justapus elementos, sobrepus correções, simulei texturas, sujidades, anulei elementos e redesenhei outros. São desenhos sobretudo da exploração de liberdade plástica com o intuito de recriar aspetos táteis do ambiente destas estruturas no ambiente do desenho.

On polyester paper I mixed shapes, juxtaposed elements, superimposed corrections, simulated textures, dirt, canceled elements and redesigned others. These are drawings mainly exploring plastic freedom with the aim of recreating tactile aspects of the environment of these structures in the drawing environment.


Flávia Costa, Cenários negros (3), Porto (PT), 2018.
Flávia Costa, Cenários negros (2), Grafite s/ papel poliéster, 30 x 40 cm, Porto (PT), 2018-23.
Flávia Costa, Cenários negros (3), Porto (PT), 2018.
Flávia Costa, Cenários negros (3), Grafite s/ papel poliéster, 30 x 40 cm, Porto (PT), 2018-23.

Este conjunto de ensaios teve a tarefa de potenciar estados de criação. Isto é, momentos em que a perceção sensível é intensificada proporcionando alterações no psiquismo e no próprio corpo do artista. É uma imersão no caos que precede a criação, como explica José Gil (2016)

Nesse mergulho no fazer estão também envolvidas as escolhas acerca dos materiais e de técnicas com a intenção de reportar sensorialmente o espectador para este tipo de espaços e acontecimentos. E por isso não foi inocente a escolha pelo grafite (lápis, barra e pó) para realizar os desenhos que fazem parte deste projeto. O seu brilho metalizado compadece-se com o das estruturas galvanizadas das composições dos andaimes, o seu pó fino acinzentado faz lembrar o cimento.


Flávia Costa, Cenários negros (5), Porto (PT), 2018.
Flávia Costa, Cenários negros (5), Grafite s/ papel poliéster, 30 x 40 cm, Porto (PT), 2018-23.

De facto, o espaço da representação abre caminhos para o pensamento de quem o fez e o seu processo de desenho num jogo dialético entre as suas visualidades. E através da qual a prática desenvolvida procurou também comunicar estas estruturas.

A experiência que resulta das apreensões e experiências no território são ativadas na prática do desenho pelas sucessivas etapas do fazer como memória incorporada, através das quais se encurta a distância entre a experiência visual e a háptica, entre o corpo e o objeto desenhado. Mais do que nos projetar num espaço ilusório, o sentido háptico estimula um contato sensível e corporalizado com as imagens, a isto podemos chamar de visualidade háptica.


Flávia Costa, Cenários negros (6), Porto (PT), 2018.
Flávia Costa, Cenários negros (6), Grafite s/ papel poliéster, 30 x 40 cm, Porto (PT), 2018-23.