Gipsy Drawings
Barcelos (Pt), 2018-2023.

Quando Kevin Lynch (1960) apresentou a análise em torno da imagem da cidade defendia que esta não se poderia resumir a um produto final, mas antes a uma sucessão contínua de fases:
When Kevin Lynch (1960) presented the analysis surrounding the image of the city, he argued that it could not be reduced to a final product, but rather to a continuous succession of phases:
A cada instante, há mais do que os olhos podem ver, mais do que o ouvido pode ouvir, um cenário ou uma vista à espera para ser explorada. (Lynch, 1960, p. 1).
At each moment, there is more than meets the eye, more than the ear can hear, a scenery or a view waiting to be explored. (Lynch, 1960, p. 1).
Explicava ainda que as pessoas estruturam a sua imagem da cidade pouco a pouco a partir de cinco elementos identificáveis, são eles: os bairros, os cruzamentos, as vias (ruas, linhas de trânsito, canais), os limites (fronteiras entre duas áreas de espécies diferentes) e os elementos marcantes. Estes últimos são pontos de referência exteriores ao observador (torres, edifícios, aglomerados) que funcionam como indicadores espaciais.
A sua principal característica é a singularidade no contexto onde estão inseridos, podendo ser alcançada de duas maneiras: uma ao serem vistos a partir de muitos lugares e/ou outra por estabelecerem um contraste com as formas do cenário de fundo.
He also said that people structure their image of the city little by little based on five identifiable elements, they are: neighborhoods, intersections, roads (streets, traffic lines, canals), limits (borders between two areas of different species) and the striking elements. The latter are points of reference outside the observer (towers, buildings, clusters) that function as spatial indicators.
Their main characteristic is the uniqueness of the context in which they are inserted, which can be achieved in two ways: one by being seen from many places and/or another because they establish a contrast with the shapes of the background.


É na entrada Este da cidade de Barcelos se avista uma desordenada mancha de chapas de zinco, lonas coloridas, madeiras, blocos… Esta é a outra cidade – a do senhor Monteiro, o patriarca líder da comunidade de etnia cigana em Barcelos.
Situado numa zona limítrofe o aldeamento cigano é um exemplo de uma prática urbana, que de um modo ilegítima vai-se continuamente sobrepondo ao urbanismo planeado, numa tentativa de reinvindicar direito ao território e à cidade.
Começou com uma construção muito humilde e pequenina num terreno baldio e foi crescendo numa autogestão urbanística, que responde apenas a uma gestão patriarcal dentro da própria comunidade. Hoje é já um aldeamento composto por um colorido e heterogéneo conjunto de barracas:
Aqui não há arquitetos nem engenheiros, há construtores. Vão-se fazendo as barracas conforme se pode. Conforme as coisas que nos vão dando ou que encontramos. E vamos juntando tudo.
( Sr. Monteiro, Líder da comunidade cigana de Barcelos)
At the eastern entrance to the city of Barcelos you can see a disorganized patch of zinc sheets, colored canvas, wood, blocks… This is the other city – Mr. Monteiro’s. The patriarch leader of the gipsy community in Barcelos
Located in a bordering area, the gypsy village is an example of an urban practice, which in an illegitimate way continually overlaps with planned urbanism, in an attempt to claim the right to the territory and the city.
It started with a very humble and small building on a vacant lot and grew into urban self-management, which responds only to patriarchal management within the community itself. Today it is already a village made up of a colorful and heterogeneous group of tents:
There are no architects or engineers here, there are builders. Tents are built as much as possible. Depending on the things that are given to us or that we find. And we put everything together.
(Mr. Monteiro, Leader of the gypsy community of Barcelos)


E por isso estas construções são temporárias na medida que vão ganhando forma aos poucos, o que lhe atribui uma visualidade intermitente. Num processo contínuo as barracas alteram-se, amplia-se, reconstruem-se, reinventam-se ao sabor dos diferentes materiais. E por isso, quando se fala na construção destas casas assemblages fala-se do tempo, do espaço e de uma rejeição ao que é estático.
And that is why these constructions are temporary as they gradually take shape, which gives them an intermittent visuality. In a continuous process, the tents change, expand, rebuild, reinvent themselves depending on different materials. And so, when we talk about the construction of these assemblages houses we talk about time, space and a rejection of what is static.

Na arquitetura, esta capacidade dos espaços transformarem-se, dilatarem-se e contraírem-se conforme os fluxos ao seu redor surge na condição de liquidez. Uma arquitetura líquida como Ignasio de Solà-Morales (1998) descreve, é uma arquitetura mais do tempo do que do espaço, inscrita como um processo imerso numa temporalidade instantânea que rejeita a forma estática e analítica do espaço. As noções de liquidez e fluidez (Bauman, 2000) surgem como metáfora para falar de um ambiente, que conserva em si a capacidade de transformação contínua.
In architecture, this ability of spaces to transform, expand and contract according to the flows around them arises in the condition of liquidity. A liquid architecture, as Ignasio de Solà-Morales (1998) describes, is an architecture more of time than of space, inscribed as a process immersed in an instantaneous temporality that rejects the static and analytical form of space. The notions of liquidity and fluidity (Bauman, 2000) emerge as a metaphor to talk about an environment, which retains the capacity for continuous transformation.

Foi essa natureza autopoiética de reinvenção constante das barracas que fui vendo e assistindo nas visitas guiadas pelo senhor Monteiro à sua “cidade” em constante mutação, que me fez desenvolver a série Gipsy Drawings.
Desenhos onde especulo graficamente sobre a impermanência e natureza transformativa de um espaço físico.
It was this autopoietic nature of constant reinvention of the stalls that I saw and witnessed during visits led by Mr. Monteiro to his constantly changing “city”, that made me develop the Gipsy Drawings series.
Drawings where I graphically speculate about the impermanence and transformative nature of a physical space.


Ficha Técinca
Título: Gipsy drawings
Técnica: Grafite e colagem s/ papel poliéster
Dimensões: 40 x 30 cm
Categoria: Desenho
Exposição online: Drawing in relation DRN2023 (Expoisção coletiva e online) Flávia Costa, Gipsy Drawing 005. Loughborough University https://www.lboro.ac.uk/schools/design-creative-arts/the-order-of-the-drawing/8-flavia-costa/
Referências bibliográficas
Bibliographic references
Lynch, K. (1960). The image of the city. The MIT Press.
Solà-Morales, I. (1998). Liquid Architecture. In C. Davidson (Ed.), Anyhow (pp. 36-43). MIT Press.
Bauman, Z. (2000). Liquid Modernity. Polity Press.